Steve McQueen, artista plástico britânico (não confundir com o actor), encontra na história de um grupo de prisioneiros do estabelecimento prisional de Maze, a oportunidade de engressar pela primeira vez na realização. E de facto McQueen torna este Hunger (Fome), numa das mais emocionantes e dolorosas viagens cinematográficas dos últimos anos. Levando-nos a crer que esta não uma história vulgar, que esta não é uma realização qualquer, que estes actores sobretudo Michael Fassbender (no papel de Bobby Sands) dão o seu máximo para transformar Hunger num retrato inesquecível, num grito demasiado audível para nos ser indiferente.
É difícil não conseguir reagir a esta película que nos causa um constante desconforto mental, assim como algum enjoo (diga-se de passagem). Mas é exactamente na brutalidade e na crueza, que esta obra se desligue das suas demais contemporâneas.
Sabemos bem que já inúmeros filmes foram feitos acerca das cadeias, do quotidiano dos seus prisioneiros e da penosa realidade que estes enfrentam, mas é na forma como McQueen filma que se encontra a sua singulariade.
Inicialmente conhecemos Ray Lohan (Stuart Graham) um guarda, do já referido estabelecimento prisional. O rosto apagado e sua quietude parecem ser reflexo de uma mente transtornada pelo dia a dia, daquilo que vimos a conhecer - ser Maze. Um homem que se faz seguir pelos fantasmas e que, ainda sem se dar conta se divide em duas personalidades - do marido, filho, homem pacato de família, ao guarda violento que exerce a sua profissão. Pouco depois acompanhamos a entrada de Davey (Brian Milligan), o novo recluso, que logo se opõe à utilização da farda (própria para os presos). No entanto, este acaba por receber o mesmo tratamento dos outros prisioneiros e tal como os tais, pouco ao nada pode fazer. Na entrada na cela ele conhece Gerry (Liam McMahon) que leva a cabo o chamado "protesto da sujidade" ("Blanket and No-Wash Protest"). Mas, é apenas num já avançado tempo de filme, que conhecemos a personagem que encarna o seu expoente máximo, estou a falar, claro - de Bobby Sands. É numa ambiência de selvajaria extrema, de persistência e perturbação que nos surge o corpo agitado de Sands (mais à frente vimos também conhecer uma outra agitação do protagonista e, desta vez o corpo é só um meio para alcançar um fim que a mente exige).
Bobby Sands era um activista da IRA (Irish Republican Army), que com apenas 27 anos foi condenado a 14 anos de prisão pelo crime de posse de armas. Em 1981 dá inicio a uma greve de fome que tem como objectivo o melhoramento as condições dos prisioneiros políticos (do seu estatuto e direito).
Hunger perpetua um silêncio, um silêncio emocional. De uma banda sonora, que ainda que existente quase não seja perceptível, McQueen acaba por extrair do "silêncio" a chave da magnificência da sua obra. É apartir de planos de detalhados de pormenor e força dramática, foque e desfoque, de uma montagem tanto ritmada - composta por curtos planos; quanto lenta - composta por planos longos, que o autor encontra o seu traço identitário. Com a excepção de um take único de cerca de 20 minutos, sem cortes, nem mudança de planos, onde acontece uma conversa entre Bobby Sands e um padre católico (Liam Cunningham). Nesse diálogo, de entre muitos outras coisas que ambos falam, Sands expõe ao padre as razões pelas quais esta determinado a levar a cabo uma greve de fome ("Hunger Strike"). Cada um é movido pelos seus ideais - em que para o padre a greve de fome é tida como o próprio suicídio, enquanto que para Sands - uma arma, que tem a força de um grito capaz de derrubar os mais fortes alicerces da instituição penal. Ele que está decidido a sacrificar o corpo em nome de uma causa maior do que a sua própria existência. É após o final desta conversa acompanhamos o homem, Bobby Sands, na sua viagem solitária sem regresso. Com alucinações, um penoso sofrimento, mas com mente sã que nunca desvia o olhar do seu principal objectivo.
Uma obra que tem tanto de singela quanto de amadurecida - em que Steve McQueen se revela mais do que capaz de adoptar uma pura visão da realidade, que apenas o cinema europeu no seu melhor nos pode dar. Fazendo-se também acompanhar por uma equipa de extraordinários actores, entre os quais se destaca Stuart Graham (o guarda) e a já referida visceral interpretação de Michael Fassbender (Bobby Sands).
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