Eu pisquei os olhos, cerrei os lábios e engoli a saliva. Tu tocaste-me no cabelo, sem qualquer sentimento de culpa – vi isso nos teus olhos. Continuaste… tacteando-me o rosto, as faces, o nariz, olhos… depois pressionaste ambos os polegares, fazendo-os entrar na minha boca. Eu já nem sequer consegui engolir a saliva, nem consegui respirar. Sentindo a força com que os teus dedos entravam dentro de mim.
Não voltamos a falar nas semanas que se seguiram, fingimos, como dois mentirosos, que nada havia acontecido.
Eu continuei a cantar todas as noites nos bares habituais. E tu, como sempre, vinhas assistir. Sorrias amavelmente, davas alguns goles no whisky, batias-me palmas. Porém no final do espectáculo apenas te despedias com um “adeus” – adeus esse que me amargurava sorrateiramente a alma, fazendo-me duvidar do teu regresso, no dia seguinte.
Mas esse olhar nunca me enganou.
Algo aconteceu e foram apenas precisos mais alguns dias.
Foi num intervalo de um dos espectáculos, que não fora, nem de perto nem de longe, das minhas melhores noites… era apenas mais uma como tantas outras. Dirigi-me à casa-de-banho, salpiquei o rosto com água e olhei-me ao espelho. As olheiras haviam-se intensificado (antes sobrepostas por uma camada de espessa maquilhagem que se havia evaporado com o suor). “Não admira” – pensei, fazia algumas noites que não pregava olho, aproveitando-me do álcool e do vício do café, para me aguentar. Deixei cair a cabeça, soltando-a por momentos… ergui-a e olhei-me novamente ao espelho. Uma mulher olhava-me através do reflexo, fixamente. Parecia penetrar-me na alma. Era bonita, com uns longos cabelos castanhos e olhos cor de azeitona. Devia ter cerca de trinta anos...
Ficámos ali, duas mulheres, a olharem-se através do espelho, com falta de coragem para se olharem directamente.
– Não está a ver quem sou?
Acho que arregalei os olhos nesse exacto momento, revirando o meu corpo e fazendo-me vê-la de frente.
– Sou a mulher do homem com quem andas a dormir.
Gritei dentro de mim… desesperada, enquanto ecoaram nos meus ouvidos aquelas letras, aquelas palavras, aquela frase. Tive nojo de mim mesma, dos meus pensamentos, das minhas lembranças. Tive nojo de te amar tanto e ao mesmo tempo da minha impotência em frente àquela figura. Ela não me bateu (coisa que eu fazia se tivesse acontecido comigo), nem tão pouco me insultou.
Eu deixei fugir uma lágrima, que me deve ter descido pelo rosto e caído no coração. Ouvi a minha voz, a melodia de uma canção fúnebre que eu cantava no meu enterro. Imaginei-nos aos dois, condenados com o suor a escorrer-nos do rosto de tanto prazer que estávamos a sentir… imaginei o teu rosto e o teu corpo quente sobre o meu. Senti receio, mas nunca arrependimento.
Ela prosseguiu de cabeça erguida, dizendo:
– Vamos falar da verdade.
"TUA" - Diário de Bianca (terceira parte da trilogia dos rios)
dE Vincent ESTRADA
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