quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Contigo aprendi coisas tão simples como




Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhastes súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia a dia
mais que mulher tu és já a minha única viúva
Não posso dar-te mais do te dou
este molhado olhar de homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente


Ruy Belo

Evelyn Hofer Fotografia

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Sexta-feira à noite

Sexta-feira à noite
os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos.

Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposas
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.

Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado.

Marina Colasanti

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

"Fracos são aqueles que arranjam desculpas para não viver."

Vincent ESTRADA

The Unbearable Lightness of Being, Philip Kaufman (1988)

Way to Blue

Don’t you have a word to show what may be done
Have you never heard a way to find the sun
Tell me all that you may know
Show me what you have to show
Won’t you come and say
If you know the way to blue

Have you seen the land living by the breeze
Can you understand a light among the trees
Tell me all that you may know
Show me what you have to show
Tell us all today
If you know the way to blue?

Look through time and find your rhyme
Tell us what you find
We will wait
At your gate
Hoping like the blind

Can you now recall all that you have known
Will you never fall
When the light has flown
Tell me all that you may know
Show me what you have to show
Won’t you come and say
If you know the way to blue?

Nick Drake

Idêntico


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Dizem que a paixão o conheceu

dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nunhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos

Al Berto

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Soneto

Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao... povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento
E o Decreto da fome é publicado.
Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado. (...)

José Régio

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

"As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais.
O meu mundo imaginário foi sempre o único mundo verdadeiro para mim. Nunca tive amores tão reais, tão cheios de verve, de sangue e de vida como os que tive com figuras que eu próprio criei. Que loucos! Tenho saudades deles porque, como os outros, passam..."

Fernando Pessoa, "Livro do Desassossego"

Por que me falas nesse idioma?

Por que me falas nesse idioma? perguntei-lhe, sonhando.
Em qualquer língua se entende essa palavra.
Sem qualquer língua.
O sangue sabe-o.
Uma inteligência esparsa aprende
esse convite inadiável.
Búzios somos, moendo a vida
inteira essa música incessante.
Morte, morte.
Levamos toda a vida morrendo em surdina.
No trabalho, no amor, acordados, em sonho.
A vida é a vigilância da morte,
até que o seu fogo veemente nos consuma
sem a consumir.

Cecília Meireles

domingo, 2 de janeiro de 2011

Atormentas-me saudade imensa!
Vincent ESTRADA