quinta-feira, 28 de abril de 2011

Quando se pensa nesse amor


Quando se pensa neste amor que é feito
De tão variados modos sempre iguais
(ou de modos semelhantes tão diversos),
e se viveram já mais de trinta anos
de sonhá-lo, e fazê-lo, e desejá-lo
ainda e sempre como adolescente
sempre temendo quanto não conhece
( e ao mesmo tempo nada é já surpresa
no prazer que não cansa como nós)-
quando pensamos quantas vezes, quanta
gente por nós passou que possuímos
( se era de quem sempre desejou
um outro corpo além do que abraçava,
mesmo se o corpo fora o desejado mais)-
quando se pensa na ternura, o anseio
nos rodeando a vida que nos foge
e sendo como o que ainda mais a afasta
na dor de ser-se amado não se amando
senão o amor e não quem nos amara
por nós e em nós e não do que fazemos-
desde o nascer á morte, desde o instante
em que o prazer do sexo se descobre
até quando será memória extinta
nada sentido tem, nem o desejo
que sem sentido continua a ser
o só que vale a pena de ter tido
no desespero irónico de ser-se.

Jorge de Sena

Se

Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!


Rudyard Kipling

quarta-feira, 27 de abril de 2011

"O ignorante tem valor, o sábio, medo."

Alberto Moravia

O gosto pela contemplação

O poder interior do homem pode-se comparar ao de um rio que, impedido por um dique, forme uma bacia artificial dando assim origem a uma fonte de energia. Mas há séculos que este dique tem uma falha, a bacia está quase vazia, a energia pouco menos que gasta e todas as regiões em volta estão na escuridão. Deve-se portanto reforçar o dique e permitir que o nível da água suba. Por outras palavras, para encontrar uma ideia do homem, isto é, uma fonte de verdadeira energia, necessita-se que os homens reencontrem o gosto pela contemplação. A contemplação é o dique que alimenta de água a bacia. Ela permite aos homens acumular de novo a energia de que a acção os privou.
Alberto Moravia

Alphonse Mucha (1860-1939)

Mad World


Vídeo clip realizado por Michel Gondry (Eternal Sunshine of the Spotless Mind). 
Mad World, música original de Gary Jules foi usada em 2001 como banda sonora do filme de culto Donnie Drako de Richard Kelly. Um vídeo relativamente simples, todavia com uma delicadeza que não poderia ser originária de um realizador quaisquer. Para quem não se recorda Mad World fez um enorme sucesso na época e, ainda hoje é impossível ficar-lhe indiferente. 

sábado, 23 de abril de 2011

Quis ela ver-me...

Quis ela ver-me...
Envelhecendo
Vestido de negro
Despido de gosto
De forma errante
Quase tosca
Ar grosseiro
Natureza de besta

Quis ela ver-me...
Com o corpo mole
Como um cavalo cansado
Esferográfica na mão direita
Cabeça pousada na mão esquerda
Óculos escuros
Cigarro no canto da boca

Quis ela ver-me...
Chorando nos cantos
Escrevendo o seu nome
Rabiscando seus traços
Caminhando sozinho
Sofrendo desgostos
Confessando pecados

Quis ela ver-me...
Atravessado na estrada
Atravessado na linha
Pendurado na varanda
Pendurado na ponte
Pendurado sem vida
Com uma corda ao pescoço

Quis ela ver-me...

Vincent ESTRADA

O poeta pede a seu amor que lhe escreva

Dante Gabriel Rossetti - Beata Beatrix (1870)

Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de mordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.


Federico García Lorca